terça-feira, 26 de maio de 2009

Mais uma missa do galo (James Berkley)

Já passava das 7 horas da noite e marido e mulher estavam na mesa, degustando o jantar recém preparado. Foi então que ouviram batidas na porta, nada violento, batidas leves, e o marido levantou-se para atender. Assim que abriu a porta deu de cara com um jovem rapaz na flor dos seus 20 anos de idade. Estava incomodado, é claro, por ter tido seu jantar agradável interrompido no meio, mas não deixou transparecer.
- O que faz aqui a essas horas, Tomás? – A voz do homem soou gentil, casual.
- Desculpe interromper o seu jantar, senhor. – Começou o menino. – Só vim aqui para lembrá-lo da missa do galo de hoje.
- Ah, sim. – Disse o homem, rindo-se um pouco e deixando o pobre Tomás sem saber onde estava a graça. – Agradeço pelo lembrete, eu e minha esposa estaremos lá com toda a certeza.
Os dois se despediram sem mais delongas e o homem voltou a sentar-se à mesa. Estava prestes a fazer um comentário sobre o ocorrido quando ouviu a voz curiosa da mulher, que por estar na sala de jantar e ter perdido parte da audição com a idade não ouvira a conversa.
- Quem era, querido?
- Era apenas o Tomás para nos lembrar que hoje tem a missa do galo.
A mulher riu do mesmo modo que o marido tinha rido minutos antes, à porta, na companhia do jovem Tomás. Era um riso casual provocado por uma lembrança, e o marido, entendendo o motivo das risadas, começou a falar.
- Nunca vou me esquecer daquela noite... Era noite de Natal, como essa, e o garoto que contratara para vigiar a sua casa viera me avisar que era dia de teatro. Ah, como as peças eram divertidas naquela época...
A narrativa do homem foi interrompida por um momento para que ele e a esposa pudessem rir do fato. É claro que qualquer um que ouvisse a conversa não entenderia o porquê dos risos.
- Eu tinha mandado a minha melhor roupa para lavar para usar na missa e ela já estava de volta comigo. A vesti depois do banho e aproveitei para usar aquela eau de cologne que você me deu numa das primeiras vezes que fomos ao teatro, lembra? – A mulher assentiu. – Depois que já estava pronto dei um tempo lendo um capítulo de uma das leituras que eu mantinha na época, Édipo Rei, lembro bem porque tinha ganhado o livro de aniversário da minha irmã que mora fora da cidade.
- Saí da minha casa sem apressar o passo para não parecer suspeito, embora a ansiedade fosse grande, e logo cheguei à sua morada. Estranhei ao ver a luz da sala acesa, já que você sempre me esperava com uma única vela na janela, e decidi rodear a casa para conferir. Acho que dei uma volta inteira antes de parar à janela, e foi quando vi você sentada. Me surpreendi com o jeito que se levantou assim que seus olhos encontraram os meus e...
- Acontece que eu tinha companhia. – Conceição interrompeu-o para comentar. – Vi você aparecer na janela e tive medo que não percebesse a presença do Sr. Nogueira. Imagine se você acaba me chamando? Como poderíamos explicar?
- É verdade. – Concluiu o homem. – Ele estava sentado de costas para mim, e eu não tinha idéia de que você estava acompanhada.
A voz do escrevente saiu com um quê de ciúmes, mas Conceição não se importou, ela sabia que nada acontecera naquela noite, a não ser a quase revelação do caso que eles mantinham.
- Eu estava meio enciumado, ainda mais quando você foi até a janela onde eu estava e mandou-me embora.
- Eu precisei! – Protestou. – Ele não podia ver você!
- Eu sei, eu sei... – Do modo como falava, parecia não fazer muito caso da questão e preferia deixar o ciúme de lado. Não era noite para brigas. – Mas eu não fui embora. Cheguei a ver vocês quase se beijando... – A voz do esposo agora adquiria um tom de acusação.
- Querido, você sabe como a minha falecida mãe tinha o sono leve, assim como eu tenho. E eu senti que você continuava por ali, teimoso do jeito que é, e mudei de lugar para tirar os olhos do Sr. Nogueira das janelas, e o homem, na sua inocência, sentava-se em outro lugar também, só para dificultar o meu trabalho. Uma hora eu realmente me assustei... Me levantei para trocar de lugar mais uma vez e foi então que vi o seu vulto no espelho. Eu podia jurar que era real, mas então me dei conta de que era só um reflexo. Meu corpo todo ficou arrepiado.
- Você sabe muito bem como eu gosto de quando você fica arrepiada... – Começou o marido, com um tom malicioso.
- Pare, querido! – Ela ria, um pouco nervosa, talvez, e tentou desconversar. – É noite de Natal... E foi sorte que eu consegui disfarçar, porque pude perceber que ele notara o meu leve susto. Continuei a falar com ele, a distraí-lo, e fiquei aliviada ao ver que você foi embora.
- Mas sim! Aquele rapaz não saía nunca, eu não iria esperar mais... Saí de lá e fui para a igreja, para a missa do galo.
- E não tardou para que o vizinho fosse chamar o Sr. Nogueira também. Voltei para o meu quatro e troquei de roupas para ir atrás de você, e acabei assistindo toda a missa enquanto lhe procurava. Uma lástima que só tenhamos nos encontrado mais para o final.
- Sim, é mesmo, e ainda mais tarde nós...
Mais batidas na porta, e alguém gritando lá de fora: “Missa do galo! Missa do galo!”
- Deus, como o tempo passa! – Riu-se Conceição, levantando-se da mesa. – Mais tarde arrumaremos isso, vamos! Não podemos perder a missa!
Os dois, já arrumados, deixaram a mesa com os pratos e talheres no lugar em que estavam, saindo para aquela celebração tão popular que lhes trouxera lembranças, histórias de uma missa do galo não muito recente, mas também nem tão distante.

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